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MARIA NO MISTÉRIO DE CRISTO (NA VIDA OCULTA DE JESUS)
CAPÍTULO 7 PAGINAS (29 A 33)
CELEBRA O ALTÍSSIMO
NOVO DESPOSÓRIO COM A PRINCESA DO CÉU, A FIM DE PREPARÁ-LA PARA AS BODAS DA
ENCARNAÇÃO.
A Encarnação, a maior
de todas as obras divinas
70. Grandes são as obras do Altíssimo (S I 110 , 2), porque
todas foram e são feitas com plenitude de ciência e bondade, justiça e medida
(Sab 11 , 21). Nenhuma é incompleta, inútil, defeituosa, supérflua e vã: todas
são primorosas e magníficas como o Senhor que, segundo a medida de sua vontade,
as quis fazer e conservar do modo mais conveniente, para nelas ser conhecido e
glorificado. Fora do mistério da Encarnação, porém, todas as obras de Deus ad
extra, ainda que sejam grandes, estupendas e mais admiráveis que
compreensíveis, não passam de pequenina centelha (Ecli 42,23) projetada do imenso
abismo da divindade.
Somente o inefável sacramento de Deus fazer-se homem
passível e mortal, pode ser chamado obra-prima do infinito poder e sabedoria,
aquela que excede, sem comparação, às suas demais obras e maravilhas. Neste
mistério, não foi comunicada aos homens apenas uma faísca da divindade, mas todo
aquele vulcão de imenso incêndio, que se uniu com indissolúvel e eterna
aliança, à nossa natureza humana e terrena.
A grandeza de Maria
foi proporcionada à dignidade de Mãe de Deus
71. Se esta sagrada maravilha do Rei deve ser medida por sua
mesma grandeza, era consequente que a mulher, em cujo seio tomaria forma de
homem, fosse perfeita e adornada de todas suas riquezas. Deveria ter todos os
dons e graças possíveis, com tal plenitude, que nenhum lhe fosse incompleto ou
defeituoso.
Sendo isto racional e conveniente à grandeza do Onipotente, assim
Ele o realizou com Maria Santíssima, melhor do que Assuero com a graciosa Ester
(Est 2, 9), quando quis elevá-la ao trono de sua grandeza.
Preparou o Altíssimo nossa Rainha Maria com favores,
privilégios e dons jamais imaginados pelas criaturas. Quando Ela surgiu à vista
dos cortesãos deste grande Rei imortal dos séculos (Tim 1, 17), todos louvaram
o poder divino que, ao escolher uma mulher para Mãe, pôde e soube torná-la
digna de o receber por Filho.
Visão e graças do
sétimo dia
72. Chegou o sétimo dia próximo a este mistério e, à mesma
hora que nos anteriores, a Divina Senhora foi chamada e elevada
espiritualmente, com certa diferença dos dias precedentes. Neste, foi levada
corporalmente pelos santos anjos ao céu empíreo, ficando um deles em seu lugar,
representando-a com corpo aparente. Chegada ao supremo céu, viu a divindade com
visão abstrativa como nos outros dias, mas sempre com nova e mais intensa luz e
mistérios mais profundos, que aquela Vontade sabe e pode esconder ou revelar.
Ouviu uma voz que saía do trono real dizendo: Vem, esposa e
pomba escolhida, nossa graciosa e amada, que achaste graça a nossos olhos,
eleita entre milhares, vem para novamente seres recebida por nossa única
Esposa. Para isto, queremos te conferir o ornato e formosura dignos de nossos
desejos.
Atitude e humildade
da Virgem
73. A estas palavras, a humilíssima entre os humildes
abateu-se e aniquilou-se na presença do Altíssimo, além de quanto possa
compreender a humana capacidade. Toda entregue ao divino beneplácito, com
aprazível retraimento, respondeu: Aqui está, Senhor, o pó e vil vermezinho,
vossa pobre escrava, para que nela se cumpra vosso maior agrado. Servi-vos do
humilde instrumento de vosso querer, governai-o com vossa destra.
Mandou o Altíssimo aos serafins, mais excelentes em
dignidade e próximos ao trono, que assistissem aquela Mulher. Acompanhados por
outros, colocaram-se em forma visível ao pé do trono onde se encontrava Maria Santíssima,
mais inflamada no divino amor que todos eles.
Sentimentos dos Anjos
74. Era espetáculo de nova admiração e júbilo para todos os
espíritos angélicos ver naquele lugar, jamais pisado por outros pés, um a
humilde donzela, consagrada sua Rainha, mais próxima a Deus que todas as demais
criaturas. Viam no céu, tão apreciada e considerada, aquela mulher (Prov. 31,10)
que o mundo desprezava por desconhecê-la. Viam o penhor e princípio da elevação
da natureza humana acima dos coros celestiais, e já estabelecida entre eles.
Oh! Que santa e doce inveja poderia causar esta peregrina
maravilha aos antigos cortesãos da celeste Jerusalém! Que conceitos formariam
para louvar seu Autor! Que afetos de humildade repetiriam, sujeitando seus
elevados entendimentos à vontade e ordenação divina! Reconheceriam ser justo e
santo que Ele elevasse os humildes e favorecesse a humana humildade, dando-lhe
preferência à angélica.
Maria recebe a graça
no mais alto grau
75. Estando os moradores do céu nesta digna admiração, a Santíssima
Trindade (a nosso modo de entender) conferia consigo mesma quão agradável era a
seus olhos a princesa Maria. Correspondera perfeita e inteiramente aos
benefícios e dons que lhe foram confiados. Mediante eles havia conquistado a
glória que adequadamente fazia reverter na do Senhor, e não tinha falta,
defeito ou impedimento para receber a dignidade de Mãe do Verbo, para a qual
fora destinada.
Determinaram as três divinas Pessoas acrescentar-lhe ainda o
supremo grau de graça e amizade com Deus, grau que nenhuma outra criatura
tivera nem teria jamais. Naquele momento conferiram-lhe mais graça do que
possuíam todas as demais criaturas reunidas. Vendo realizada a suprema
santidade, que para Maria ideara e concebera sua mente divina, grande foi por
Ela seu agrado e complacência.
A manifestação
visível da santidade de Maria
76. Correspondente a esta santidade, e em testemunho da
benevolência com que o Senhor lhe comunicava novas influências de sua divina
natureza, mandou que Maria fosse visivelmente ornada de veste e joias
misteriosas, significando os dons interiores, graças e privilégios que lhe
outorgava como Rainha e Esposa. Não obstante este ornato e desposório lhe terem
sido concedidos outras vezes (1), como quando foi apresentada no templo, nesta
ocasião foram acompanhados de novas excelências e admiração, porque constituíam
a preparação próxima para o milagre da Encarnação.
A túnica, símbolo de
sua pureza e graça
77. Por ordem divina, os serafins vestiram Maria santíssima
com ampla túnica, símbolo de sua pureza e graça. Era de tão singular alvura e
refulgente beleza, que se um só de seus raios luminosos brilhasse no mundo,
daria maior claridade que todas as estrelas juntas, mesmo que estas fossem
outros tantos sóis. Comparada com a sua, a luz que conhecemos pareceria
obscuridade. Enquanto era assim vestida pelos serafins, recebeu do Altíssimo
profunda inteligência que aquela graça lhe ocasionava a obrigação de corresponder
a Deus com a fidelidade, o amor, e o excelente e o elevado modo de praticar
tudo quanto compreendia.
Somente não lhe era revelada a intenção do Senhor tomar
carne em seu seio virginal. Tudo o mais nossa grande Senhora compreendia e por
tudo se humilhava com indizível prudência, pedindo o auxílio divino para
corresponder a tais benefícios e favores.
O cinto, símbolo do
temor de Deus
78. Colocaram-lhe os serafins sobre a veste um cinto,
símbolo do santo temor que lhe era infundido. Riquíssimo, feito de pedras
diversas, extremamente refulgentes, que muito o embelezavam. Ao mesmo tempo,
foi a divina Princesa iluminada pela fonte de luz, em cuja presença se
encontrava, para altamente entender as razões pelas quais Deus deve ser temido
por toda criatura.
Com este dom do temor do Senhor, ficou convenientemente
cingida e preparada, como era necessário a uma pura criatura, que tão
familiarmente trataria e conversaria com o Criador, sendo verdadeira Mãe Sua.
Os cabelos, o diadema
e as sandálias
79. Em seguida, conheceu que a ornavam com formosos e longos
cabelos, mais brilhantes que o ouro refulgente, presos por rico diadema. Por
este ornato, lhe era concedido que todos seus pensamentos, durante toda a vida,
fossem elevados e divinos, inflamados em sublime caridade significada pelo
ouro. Ao mesmo tempo, foram-lhe infundidos novos hábitos de sabedoria e ciência
claríssima, para que estes cabelos ficassem graciosamente reunidos e presos por
inexplicável participação na ciência e sabedoria do mesmo Deus.
Deram-lhe por sandálias a graça de que todos seus passos e
movimentos fossem formosíssimos (Cant. 7), dirigidos sempre para os mais altos
e santos fins da glória do Altíssimo. Prenderam-lhe este calçado, com especial
graça de solicitude e diligência no agir para com Deus e com o próximo. Assim
sucedeu quando, apressadamente (Lc 1,39), foi visitar Santa Isabel e São João.
Deste modo, os passos desta filha do Príncipe (Cant. 7,1) tornaram-se
formosíssimos.
Pulseiras, anéis e
colar
80. Adornaram-na com pulseiras, infundindo-lhe nova
magnanimidade para grandes obras, pela participação do atributo da
magnificência. Assim, sempre aplicava suas mãos (Prov. 31,19) em coisas árduas.
Embelezaram-lhe os dedos com anéis, novos dons do Espírito Santo, para que nas
pequenas ações, em coisas de menor importância, agisse de modo superior, com
intenções e circunstâncias que as tomavam todas admiráveis e grandiosas.
Acrescentaram-lhe um colar de inestimáveis e brilhantes pedras preciosas. Dele
pendia um conjunto de três pedras mais excelentes, as virtudes da fé, esperança
e caridade, correspondentes às três divinas Pessoas. Por este ornato,
renovaram-lhe os hábitos destas nobilíssimas virtudes, conforme deveria exercita-Ias
nos mistérios da Encarnação e Redenção.
As arrecadas
81. Colocaram-lhe nas orelhas arrecadas de ouro (Cant. 1,
10), salpicadas de prata, preparando seus ouvidos para a embaixada que em breve
receberia do Santo Arcanjo Gabriel. Foi-lhe dada especial ciência, para ouvir
com atenção e responder discretamente com argumentos prudentíssimos e
agradáveis à divina vontade. Do metal sonoro e puro da prata de sua candura,
ressoaria aos ouvidos do Senhor, e ficariam gravadas em seu peito divino,
aquelas esperadas e santas palavras: "Fiat
mihi secundum verbum tuum" (Lc 1,38).
O ornato de sua
túnica
82. Semearam sua veste de cifras em relevo, semelhantes a
bordados de finíssimos matizes e ouro. Algumas diziam: Maria, Mãe de Deus;
outras: Maria, Virgem e Mãe. Por então, não lhe foram revelados estes
misteriosos dísticos, mas somente aos Santos Anjos. Os matizes eram os
excelentes hábitos de todas as iminentes virtudes e de seus atos correspondentes,
ultrapassando tudo quanto têm praticado as criaturas inteligentes.
Para complemento de toda esta beleza deram-lhe, qual água
perfumada para banhar o rosto, muitas iluminações e resplendores, que a
proximidade e participação do infinito ser e perfeições de Deus refletiam nesta
divina Senhora. Convinha que, para recebê-lo real e verdadeiramente em seu
ventre virginal, o houvesse recebido por graça, no sumo grau possível a pura
criatura.
Impossível explicar a
santidade da Virgem
83. Com este adorno e beleza, ficou nossa princesa Maria tão
encantadora e cativante que o supremo Rei pôde cobiçá-la (S I 44, 12). Pelo que
em outros lugares tenho dito de suas virtudes (2) e pelo que será forçoso
repetir nesta História, não me detenho mais em explicar este adorno, que foi
superior pelas suas circunstâncias e efeitos mais divinos. Tudo cabe no poder
infinito e no imenso campo da perfeição e santidade, onde sempre fica muito que
acrescentar e entender. Aproximando-nos deste mar de Maria puríssima, ficamos
sempre muito à margem de sua grandeza, e meu entendimento sempre permanece
repleto de conceitos que não consigo traduzir.
Deus deseja agraciar
as almas
84. Minha filha, as ocultas oficinas e recamaras do
Altíssimo são de Rei divino e Senhor onipotente. Sem medida e sem número são as
ricas joias que nelas guarda, para compor o adorno de suas esposas escolhidas.
Assim como enriqueceu minha alma, poderia fazer com outras inumeráveis, e
sempre lhe sobraria infinitamente. Ainda que a nenhuma criatura dará tanto como
a mim, não será por não poder ou não querer, mas sim porque nenhuma se disporá
para a graça como Eu. Apesar disso, com muitas o Todo-Poderoso é liberalíssimo
e as enriquece grandemente, por terem menos impedimento e mais disposição que
outras.
Disposições para
elevar-se na graça
85. Desejo, caríssima, que não oponhas obstáculos ao amor do
Senhor por ti. Quero que te disponhas a receber os dons e joias com que te quer
preparar e te fazer digna de seu tálamo de esposo. Saiba que todas as almas
recebem dele este ornato de sua amizade e graça, mas cada qual no grau de que é
capaz. Se desejas chegar aos mais elevados graus desta perfeição e ser digna da
presença de teu Senhor e Esposo, procura crescer e ser forte no amor, que
aumenta na medida da renúncia e mortificação. Esquece e deixa todas as coisas
terrenas; extingue a inclinação por ti mesma e pelas coisas visíveis. Lava-te frequentemente
no Sangue de Cristo, teu Redentor, renovando a amorosa dor da contrição de tuas
culpas. Deste modo encontrarás graça a seus olhos, Ele cobiçará tua beleza (SI
44,12) e teu adorno será cheio de perfeição e pureza.
Gratidão e humildade
86. Como foste pelo Senhor tão distinguida nestes favores, é
razão que sejas mais agradecida que muitas gerações, louvando-O e
engrandecendo-O incessantemente pelo que contigo se dignou realizar. Se o vício
da ingratidão é tão repreensível nas criaturas que devem menos e que, terrenas
e grosseiras, desprezam e esquecem os benefícios do Senhor, maior será esta vilania
em ti.
Não te enganes com pretexto de humildade, porque há muita
diferença entre humildade agradecida e ingratidão erradamente humilhada. Deves
lembrar que muitas vezes o Senhor fez grandes favores a indignos, para
manifestar sua bondade e grandeza, e para que ninguém se exalte por causa
deles. O conhecimento da própria indignidade serve de contrapeso e antídoto
contra o veneno da presunção. Isto não deve impedir a gratidão e o
reconhecimento que todo dom perfeito (Tgo 1,17) pertence e desce do Pai das
luzes, e por si mesma a criatura nunca os pode merecer. Se tudo lhe é dado
unicamente pela bondade divina, deve penetrar-se toda de gratidão.