MÍSTICA CIDADE DE DEUS TOMO 3-sexto livro
CAPÍTULO 13 - A PRISÃO DO SALVADOR PELA TRAIÇÃO DE JUDAS.- MISTÉRIOS DESSA PASSAGEM. ATOS DE MARIA SANTÍSSIMA.
O demônio instiga os inimigos de Cristo
1223. Enquanto nosso Salvador Jesus estava no Monte Olivete orando a seu eterno Pai e suplicando a salvação de toda linhagem humana, o pérfido discípulo Judas apressava sua prisão e entrega aos pontífices e fariseus.
Como Lúcifer, e seus demônios, nào puderam dissuadir a perversa vontade de Judas e dos demais, do intento de tirar a vida de seu Criador e Mestre, sua antiga soberba mudou de tática. Aumentando a malícia, administrou ímpias sugestões aos judeus para que, com maior crueldade e infames injúrias, atormentassem a Cristo.
Andava o dragão infernal com muitas suspeitas, como tinha dito que aquele homem, tão diferente poderia ser o Messias, verdadeiro Deus. Queria fazer novas experiências
e tirar a prova desta suspeita, por meio das atrocíssimas afrontas contra o Senhor,
sugeridas aos judeus e seus ministros.
Comunicou-lhes também sua formidável. inveja e soberba como escreveu Salomão (Sab 2,17), cujas palavras, nesta ocasião, se realizaram literalmente.realizaram literalmente.
Supunha o demônio que, se Cristo não era Deus mas apenas puro homem, fraquejaria na perseguição e tormentos,e assim O venceria. Se era Deus. mostrá-lo-ia por meio de novos milagres.
Judas conduz o bando inimigo de Jesus
1224. Com esta ímpia temeridade se atiçou também a inveja dos pontífices e escribas. A instância de Judas, depressa, reuniram muita gente: soldados gentios, um tribuno, muitos judeus. Guiados por Judas, abalaram-se para prender o inocentíssimo Cordeiro que os esperava, vendo os pensamentos e os planos dos sacrílegos pontífices, como Jeremias havia expressamente profetizado (Jer 11,19).
Todos estes ministros da maldade saíram da cidade, em direção ao monte Olivete, armados e prevenidos de cordas e cadeias. Iam com tochas acesas e lanternas (Jo 18,3), como Judas lhes havia aconselhado, temendo que seu Mestre amantíssimo, a quem julgava feiticeiro ou mágico, fizesse algum milagre para escapar. Agiam como se, armas e prevenções humanas pudessem alguma coisa contra o poder divino. Se Jesus quisesse, poderia usar dele, como havia feito outras vezes antes de chegar a hora marcada para se entregar livremente à paixão, afrontas e morte de cruz.
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CAPÍTULO 13 - A PRISÃO DO SALVADOR PELA TRAIÇÃO DE JUDAS.- MISTÉRIOS DESSA PASSAGEM. ATOS DE MARIA SANTÍSSIMA.
A união faz a força
1225. Enquanto nào chegavam, voltou o Mestre, pela terceira vez aos discípulos, e encontrando-os adormecidos, disse-lhes: Bem podeis dormir e descansar,
pois já chegou a hora em que vereis o Filho do Homem entregue nas mãos dos pecadores.
Basta porém; levantai-vos e vamos que já se aproxima aquele que me vendeu e
vai me entregar (Mc 14, 41), O Mestre da santidade disse estas palavras aos três apóstolos mais privilegiados, sem repreendê-los com rigor, mas com suma paciência, mansidão e suavidade, pois estavam perplexos, sem saber o que responder (Mc 14,40).
Os três levantaram-se e voltaram a se reunir com os outros oito, no lugar em que os tinham deixado, e que também dormiam vencidos pelo sono e grande tristeza.Ordenou o divino Mestre que todos juntos, sob sua direção, saíssem ao encontro dos inimigos. Com isto ensinou-lhes a força que tem uma comunidade unida, para vencer o demônio e seus sequazes.
O cordel triplicado, como diz o Eclesiastes (4,12), é difícil de se quebrar, e se alguém for mais forte que um só, dois lhe poderão resistir. Esta é a vantagem de viver em comunidade (4,9).
O Senhor admoestou novamente os apóstolos, preparando-os para o que ia acontecer, e logo se ouviu o tropel dos soldados e servos que o vinham prender.
O Redentor adiantou o passo para lhes sair ao encontro, e intimamente, com incomparável
sentimento, majestosa coragem e suprema deidade, disse:
Paixão desejada por minha alma, dores, chagas, afrontas, penalidades, aflições e morte ignominiosa vinde, vinde, vinde depressa, que o incêndio de amor que tenho pela salvação dos mortais vos espera. Chegai ao mais inocente entre todas as criaturas. Ele conhece vosso valor, vos procurou, desejou, pediu e vos recebe voluntária e alegremente. Conquistei-vos
com a ânsia de vos possuir e vos aprecio pelo que mereceis. Quero desagravar o desprezo em que caíste e vos reerguer a um posto e dignidade eminente.
Venha a morte para que, aceitando-a sem a merecer, dela triunfe (Os 13,14)
e mereça a vida para os que a receberam como castigo do pecado. Permito que meus amigos me abandonem, pois só Eu quero e posso entrar no combate (Is 63, 3), cuja vitória ganharei para todos.
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CAPÍTULO 13 - A PRISÃO DO SALVADOR PELA TRAIÇÃO DE JUDAS.- MISTÉRIOS DESSA PASSAGEM. ATOS DE MARIA SANTÍSSIMA.
O pecado de Judas
1226. Enquanto o Autor da vida dizia estas razões, adiantou-se Judas para dar aos seus esbirros o sinal combinado (M126,48): o Mestre seria aquele a quem, saudasse com o ósculo da paz. conforme era costume; que o prendessem logo e não se enganassem prendendo outro.
O infeliz discípulo usou de todas estas cautelas, tanto por cobiça do dinheiro, do ódio que concebera contra seu divino Mestre, como também por medo.
Pareceu ao desgraçado que, se Cristo, nosso bem, não morresse naquela ocasião, inevitavelmente teria que defrontar-se novamente com Ele. Temendo esta vergonha, mais do que a morte de sua alma e a de seu divino Mestre, desejava apressar
o fim de sua traição e garantir a morte do Redentor nas mãos de seus inimigos.
Aproximou-se, pois, o traidor do mansíssimo Senhor, e como insigne artífice da hipocrisia, com fingida amizade, beijou-lhe a face dizendo: Deus te salve, Mestre (Mc 14, 45).
Com este gesto tão aleivoso, encerrou-se o processo da perdição de Judas e se justificou a causa de Deus. Desde esse momento, a graça e seus auxílios o foi abandonando sempre mais.
A temeridade e audácia do pérfido discípulo contra Deus, atingiu o auge da malícia. Negou em seu íntimo, e não acreditou na sabedoria, incriada e criada, que Cristo, nosso Senhor, possuía para conhecer sua traição, e o poder que tinha para o aniquilar. Pretendeu esconder sua maldade, fingindo amizade de sincero discípulo, e isto para entregar a tão humilhante
morte e tormentos a seu Criador e Mestre, de quem recebera tantos benefícios.
Numa traição, reuniu tantos e tão insondáveis pecados que não há ponderação
para calcular sua malícia: foi infiel, homicida, sacrílego, ingrato, desumano, desobediente, falso, mentiroso, ambicioso, ímpio e mestre dos hipócritas.
E tudo isto cometeu contra a pessoa do próprio Deus feito homem.
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Judas resiste à misericórdia divina
1227. Da parte do Senhor ficou justificada a equidade de sua justiça e a sua inefável misericórdia, cumprindo-se de modo eminente as palavras de David (SI 119, 7): Eu era pacífico com os que aborreciam a paz e quando lhes falava me acusavam sem motivo.
Estas palavras se realizaram quando, ao ser beijado por Judas, o divino Mestre, amorosamente, lhe perguntou: Amigo a que vieste? E, por intercessão de sua
Mãe santíssima, enviou ao coração do traidor discípulo nova e claríssima luz, com a qual entendeu a maldade atrocíssima de sua traição e o castigo que o esperava, se não se retratasse com sincero arrependimento. Se assim quisesse fazer, encontraria misericórdia e o perdão da divina clemência.
Judas entendeu que aquelas palavras eram como se Jesus lhe dissesse ao coração: Amigo, vê que te perdes e inutilizas minha liberal mansidão, com esta traição. Se quiseres minha amizade, não a negarei por isso, conquanto que te arrependas de teu pecado. Pondera tua temeridade, entregando-me como ósculo de falsa paz e amizade. Lembra-te dos benefícios
que recebeste de meu amor, e que sou Filho da Virgem da qual também foste tão estimado,
entre meus apóstolos, e admoestado com conselhos de amorosa Mãe. Só por causa d'Ela, não deverias cometer a traição de vender e entregar o seu Filho, pois, Ela nunca te ofendeu. Sua benigna caridade e mansidão não merecem que lhe faças tão enorme ofensa. Mas, ainda que já a cometeste, não desprezes sua intercessão que, por ela te ofereço o perdào e a vida, pois muitas vezes Ela já me fez este pedido a teu favor. Tem certeza que te amamos, porque
ainda tens oportunidade de esperança, e se não, merecerás que te abandonemos à eterna pena e castigo.
Esta semente, tão divina, não medrou no coração do infeliz discípulo, mais duro que diamante e mais desumano que de uma fera. Resistindo à divina clemência, caiu no desespero, como direi no capítulo seguinte.
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Os dois esquadrões
1228. Dado o sinal, pelo ósculo de Judas, defrontaram-se o Senhor da vida e seus discípulos, com a tropa de soldados que vinha prendê-lo.
Frente a frente estavam os dois esquadrões mais opostos e diferentes que jamais houve no mundo. De um lado Cristo, Senhor nosso, Deus e homem verdadeiro, chefe de todos os justos; acompanhado de onze apóstolos de sua Igreja; assistidos por inumeráveis exércitos de espíritos angélicos que, admirados do espetáculo, o bendiziam e adoravam.
De outro lado vinha Judas, autor da traição, armado pela maldade e hipocrisia; com muitos ajudantes judeus e pagãos, para executá-la com a maior crueldade.
Neste esquadrão vinha Lúcifer, com grande número de demônios, instigando e ajudando Judas e seus aliados para, sem temor deitarem as mãos sacrílegas em seu Criador.
O Salvador, com admirável desejo de sofrer, com grande coragem e grandeza, lhes disse:
A quem buscais? (Jo 18,4-5).
Responderam eles:
A Jesus Nazareno - Replicou o Senhor:
Sou Eu.
Com esta palavra de incomparável preço e felicidade para o gênero humano, declarou-se nosso Salvador e Redentor.
Com ela deu-nos penhor seguro de esperança de salvação eterna, a qual dependia de Cristo se oferecer livremente à paixão e morte para nos redimir.
Sou Eu
1229. Não puderam os inimigos perceber o legítimo sentido, nem entender o mistério daquela palavra:
Sou Eu.
Entenderam-no a Mãe santíssima, os anjos e, em parte, os apóstolos. Foi como dizer:
Eu sou o que sou (Ex 3,14), conforme disse a meu profeta Moisés Existo por mim mesmo, e todas as criaturas recebem de Mim seu ser e existência. Sou eterno, imenso, infinito, uma única substância e atributos. Fiz-ine homem ocultando minha glória, para redimir o mundo
pela paixão e morte que me quereis dar Tendo pronunciado aquela palavra com o poder de sua divindade, os inimigos não puderam resistir, e ao ouvi-la caíram todos para trás, com a cabeça no chão.
Não só os soldados, mas até uns cães que os acompanhavam e os cavalos que montavam, todos caíram, ficando no solo imóveis como pedras. Lúcifer, e seus demônios, também foram derribados e aterrados, sofrendo nova contusão e tormento.
Durante quase meio quarto de hora ficaram como mortos. Oh! palavras misteriosas
na doutrina e invencível no poder!
Não se glorie em tua presença o sábio em sua sabedoria e astúcia, nem o poderoso em sua valentia (Jer 9,23); humilhe-se a vaidade e arrogância dos filhos de Babilônia. Uma só palavra da boca do Senhor, dita com tanta mansidão e humildade, confunde, aniquila e destrói todo o poder e arrogância dos homens e do inferno.
Entendamos também, os filhos da Igreja, que as vitórias de Cristo se alcançarão
proclamando a verdade; dando lugar à ira divina (Rom 12, 19); praticando sua mansidão e humildade de coração (Mt 11, 29); vencendo pelo entregar-se com simplicidade de pombas, com paz e docilidade de ovelhas, sem a reação de lobos iracundos e carniceiros.
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Jesus se entrega
1230. Nosso Salvador, e os onze apóstolos, ficaram a olhar o efeito de sua divina palavra, na prostração daqueles ministros de maldade. Com o semblante entristecido, o Mestre contemplou o retrato do castigo dos réprobos, mas ouviu a intercessão de sua Mãe santíssima para deixá-los levantar, pois a divina vontade tinha determinado que assim acontecesse por meio da oração da Virgem.
Jesus orou ao Pai dizendo: Pai meu e Deus eterno, em minhas mãos pusestes todas as coisas (Jo 13,3), e em minha vontade a redenção humana que tua justiça pede. Quero, de plena vontade, satisfazê-la e entregar-me à morte, para merecer a meus irmãos a participação de teus tesouros e da eterna felicidade que lhes preparastes.
Por este oferecimento, o Altíssimo deu permissão para que toda aquela malta de homens, demônios e animais se levantassem, restituídos ao estado nornal.
O Salvador perguntou-lhes segunda vez: A quem procurais? Responderam novamente: A Jesus Nazareno. Replicou o Senhor com toda mansidão: Já vos disse que sou Eu; se buscais a Mim, deixai ir a estes que estão Comigo (Jo 18, 3-8).
Com estas palavras, deu licença aos soldados e servos para o prender e executar sua determinação que, sem eles compreenderem, era sobrecarregar sua pessoa divina com todas nossa dores e enfermidades (Is 53, 4).
Reação de São Pedro
1231. O primeiro que, audaciosamente, se adiantou para prender o Autor da vida, foi um criado dos pontífices, chamado Malco.
Ainda que os apóstolos estivessem perturbados e aflitos pelo medo, São Pedro acendeu-se mais do que os outros, no zelo pela honra e defesa do seu divino Mestre. Puxou de uma espada que trazia, e desferiu um golpe sobre Malco, decepando lhe uma orelha (Jo 18, 10). O
golpe pretendia ferimento maior, não fosse a providência do Mestre da paciência e mansidão em desviá-lo.
Não permitiu o Redentor, naquela ocasião, a morte de alguém, a não ser a sua com suas chagas, sangue e dores. Se a aceitassem, vinha dar a todos a vida eterna com o resgate do gênero humano.
Tampouco concordava com sua vontade e doutrina, que sua pessoa fosse defendida com armas ofensivas e que este exemplo ficasse em sua Igreja, para ela não se defender pelo mesmo sistema. Para confirmar o que havia ensinado, tomou a orelha cortada e a restituiu a seu lugar, mais perfeitamente que antes.
Depois repreendeu São Pedro, dizendo-lhe (Jo 18, 11): Toma a embainhar tua espada, porque todos os que usarem dela para matar, por ela perecerão.
Não queres que Eu beba o cálice que meu Pai me deu? Pensas que eu não lhe poderia
pedir muitas legiões de anjos para me defender e logo Ele mas enviaria? Mas, então,
como se cumprirão as Escrituras e profecias? (Mt26, 53).
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